terça-feira, 23 de junho de 2015

Um singelo convite para tomar chuva

Olhar a chuva é uma atividade cuja honrosa posição na grande Listagem Universal Das Coisas Aleatórias Que Apenas As Pessoas Plenamente Desocupadas Fazem já pode desbancar até mesmo a tradicional e famigerada contagem de clipes e grampos, não somente por seu fortíssimo embasamento filosófico, mas também é claro, pela possibilidade de observação sobre a quantidade massiva de diferentes formas de lidar com fenômenos pluviais que os seres humanos, em sua superioridade racional, desenvolveram ao longo de milênios de evolução na natureza: correr, cobrir-se com jaquetas ou bolsas, esconder-se em abrigos improvisados de forma amontoada, ou até mesmo o grandioso guarda-chuva - item motivador de grande orgulho entre os utensílios criados pelas mãos providas de polegares opositores -, enfim; o homem é o primeiro animal a armar um verdadeiro circo de horrores para se proteger da substância de alta periculosidade que compõe aproximadamente setenta por cento de... Seu próprio corpo (um fenômeno verdadeiramente impressionante).
Contudo, se algo pode ser mais prazeroso do que simplesmente observar da janela do quarto quentinho a chuva e suas consequências sobre a frágil e insegura visão humana de mundo, é muito provável que esta coisa seja justamente estar lá fora na chuva, enquanto a magia acontece e as pessoas desesperadas passam, esforçando-se ao máximo por se esconder dela. E com toda a certeza, dirigindo a você olhares de forte reprovação, num misto de perplexidade e pena. Na verdade, você provavelmente receberá os mais pesados julgamentos nessa situação. Provavelmente, sua sanidade mental receberá os mais pesados julgamentos. E sua maturidade, também. E sua aparente (in)capacidade de lidar com o Terrível Mundo Dos Adultos, então...
Bem, em outras palavras, ficará bastante claro a todos os presentes, neste caso, que você faz parte da grande parcela de seres inconsequentes e perigosíssimos que representam um péssimo exemplo para a criançada, por não temer infinitamente a principal substância presente no corpo humano. No entanto,  se ainda assim, tendo a consciência plena das consequências de ser um inconsequente, seu nobre coraçãozinho vagabundo não puder conter uma alegria jovial ao imaginar-se banhando nas gotinhas daquela garoa sarcástica das tardes de junho, em praça pública, anunciando sua própria desgraça diante da seriedade dos seres sociais à sua volta, permanece o convite. Aproveitar um bom banho de chuva pode ser muito mais interessante do que simplesmente fingir que ela não existe, por mais incrível que isso possa parecer.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Fotofobia II

A luz branca
De um sol envelhecido
Esfaqueia a janela
  Invade
  Atravessa
A penumbra da sala de estar

A meia luz
De uma vela inteira
Queima a distância
  Aquece
  Abraça
Os corpos do quarto menor

Dá pra ver que lá fora
A luz seca do dia
Na umidade dessa rua
  Tão fria,
  Tão crua,
Vem tão cheia de mora.